OAB DEBATES: Inquéritos do STF e Projeto das Fake News

Aberto o debate com o tema “Inquéritos do STF e Projeto das Fake News”, tendo como mediadora a Dra. Marion Bach e debatedores Dr. Rodrigo Kanayama, Dr. Cal Garcia e Dra. Letícia Kreuz.

A Dra. Marion esclarece que a intenção da 8ª Conferência da Advocacia Paranaense é ouvir as vozes da advocacia e, portanto, será aberta a palavra aos participantes. Na sequência, passa a palavra à Dra. Letícia Kreuz.

Iniciando sua fala, a Dra. Letícia agradece o espaço e cita Pierre Bourdieu, que define Estado como um consenso sobre o dissenso, e faz associação à vida nas redes sociais, em que mesmo nos cenários em que as pessoas concordam com a opinião umas das outras, a fala permanece de maneira efervescente. Ressalta que as redes sociais foram responsáveis por retirar das ruas, das praças e de tantos outros “ambientes tradicionalmente públicos” os debates e agora é na internet que se faz política.

A advogada diz que o termo fake news é utilizado de maneira pejorativa e que alguns autores defendem usar outros termos, dentre eles: misinformation e disinformation. Há aqueles que criam informações aleatórias e inverídicas por motivos políticos, econômicos, sociais (disinformation) e aqueles que simplesmente disseminam as informações, a exemplo dos familiares que encaminham informações nos grupos do WhatsApp.

A Dra. Letícia termina sua fala defendendo que o tratamento casuístico realizado pelo Poder Judiciário não é o ideal, pois é necessário, em nome da isonomia, haver uma normatização mínima, vindo de um poder que representa a população, ou seja, oriundo do Congresso Nacional.

Posteriormente, o Dr. Rodrigo Kanayama inicia sua fala destacando que é necessário distinguir o que é opinião daquilo que é fato, pois a falta de conceito sobre o que é uma informação falsa ou não causa insegurança jurídica. Entende que mesmo que se leia o projeto de lei que está em trâmite na Câmara dos Deputados, não há um conceito sobre o que seja fake news. Ainda assim, o Dr. Rodrigo Kanayama entende que o projeto de lei vai num caminho interessante, porque delega aos particulares – e não ao Estado – a definição do que é inverídico ou não. Ele entende que talvez o Judiciário pudesse fazê-lo, mas apenas como exceção.

Cita o artigo do professor Pablo Ortellado, da USP, sobre o comportamento dos usuários das redes sociais. No referido artigo, destacou-se que antes de 2013 (ou seja, antes dos movimentos de rua), havia polarização, mas existiam pontos de contato entre os grupos. Durante 2013, as redes sociais criaram uma câmara de ressonância com aqueles que pensam de maneira igual, reforçando o posicionamento uns dos outros. Depois de 2013, verificou-se a disseminação de fake news como resultado da polarização, para que uma parte pudesse ofender a outra.

Analisa também que há informações evidentemente inverídicas, mas as pessoas não se preocupam em investigá-las, assim como não investigam sobre os candidatos políticos em que votam. Ressalta que as fake news passaram a ser uma ferramenta de escolha de voto para muitos.

Finalizando, menciona que a repetição da informação cria uma ilusão de verdade, fazendo as pessoas acreditarem em uma falsa notícia, ainda que seja absurda. Quando há um viés, quando se quer acreditar, as informações inverídicas são disseminadas com convicção. O Dr. Rodrigo Kanayama conclui afirmando que entende que o projeto de lei ainda merece um debate mais aprofundado com toda a sociedade, mas que está em um bom caminho.

Na sequência, o Dr. Cal Garcia destaca que a liberdade de expressão é sujeita às suas consequências ulteriores, tanto no âmbito cível quanto penal, as quais devem obrigatoriamente serem previstas em lei. Prossegue afirmando que o regimento interno do STF, em seu art. 43, tem um conteúdo que considera curioso: sendo praticado qualquer ilícito na área do tribunal, por pessoas que estão sob sua jurisdição, será realizado inquérito pela Corte para apuração dos fatos. Como as fake news ameaçavam os ministros do STF e seus familiares, instaurou-se o mencionado inquérito, que é objeto de várias críticas que podem ser válidas.

Em seguida, o tema foi aberto aos debates com a plateia. O Dr. Marcelo Gorski Borges inicia dizendo que o STF já firmou entendimento de que discurso de ódio não está amparado pela liberdade de expressão e pergunta à professora Letícia Kreuz sobre a relação do gestor público com as redes sociais e quais seriam os limites de interatividade.

A Dra. Letícia respondeu que o fato de o Estado ou gestor público escolher ter um perfil em redes sociais, naturalmente o torna sujeito a receber críticas. Se a rede social é um meio de acesso da população ao Estado, bloquear usuários ou manter uma conta privada é inviável, para não se bloquear o acesso do cidadão. O Dr. Rodrigo Kanayama complementa mencionando que, em abril de 2023, a Suprema Corte dos EUA recebeu uma ação com o tema bloqueio de pessoas públicas em redes sociais (que ainda não foi julgado).

O segundo advogado a formular pergunta foi o Dr. Tiago Ferreli, o qual contextualizou sua indagação dizendo que o tema fake news sempre existiu na história, e que hoje há a questão dos influenciadores, os quais, por vezes, sequer sabem sobre o que estão falando. Quais seriam, então, os limites de fato e opinião neste caso?

Em resposta, o Dr. Cal Garcia explica que, para ele, a diferença entre opinião e fato é que, na primeira, há uma expressão de sentimento sobre um fato, uma interpretação sobre determinado objeto. Já os fatos, por sua vez, são episódios históricos, sem qualquer juízo de valor.

Contextualizando a resposta, ele cita o exemplo da Copa da França de 1998. Após a derrota do Brasil, surgiram diversas teorias de que a seleção entregou o jogo por motivos de patrocínio, mas que seria vencedora na próxima competição. Essa conclusão foi emitida com dados e elementos como se fossem absolutas expressões da verdade. O palestrante ressaltou que é difícil separar o fato de opinião quando as coisas estão complexas.

A terceira pergunta foi feita pelo Dr. André Viana da Cruz, o qual indagou sobre a possibilidade de responsabilização das plataformas que criaram instrumentos de disseminação de ideias que não são factíveis e de monitoramento de ideias.

A Dra. Marion Bach traz o exemplo de alguém que vê o vizinho, que não trabalha fora e tem carro luxuoso, e que recebe muitas pessoas em sua casa tocos os dias, as quais saem com pequenos saquinhos nas mãos. O observador pensa que seu vizinho é um traficante de drogas, quando, na verdade, se trata de um joalheiro. Então, as opiniões estão relacionas àquilo que achamos que vimos.

Para o Dr. Rodrigo Kanayama, trata-se de uma questão de economia comportamental – as pessoas fazem avaliações conforme as suas experiências passadas, com aquilo que elas supõem que existe. Menciona o estudo da OCDE em que 67% dos estudantes do Brasil não sabem diferenciar fato de opinião. Há uma dificuldade massiva em realizar isso. Termina dizendo que quanto menos educação se tem, mais difícil é distinguir opinião de informação.

Por fim, a Dra. Letícia faz uma ponte com as teorias da conspiração, as quais têm um apelo emocional, mesmo reconhecendo que não são verdades, sendo que muitas delas são resultantes de falsas memórias coletivas que temos.

A última participação da plateia foi do Dr. Eduardo Sanz, o qual manifestou-se no sentido de que, no inquérito da fake news, o Judiciário construiu um cabedal enorme a respeito. Narrou que, quando começou a operação Lava-jato, 105 advogados se pronunciaram sobre fatos que eles sabiam que aconteciam, mas não tinham como provar naquele momento.

O Dr. Cal Garcia aderiu à provocação do professor Sanz. Disse que já existiam indícios de que a Lava-jato praticava violações de princípios do juiz natural. Reforça que entende como graves os atentados de 8 de janeiro, mas que, referindo-se ao inquérito pelo STF, o fato de serem graves não justifica os meios que ofendem o juiz natural. Conclui opinando que as coisas que eram ditas no passado, como o exemplo trazido pelo Dr. Eduardo Sanz, se forem ditas hoje teriam outras consequências gravosas.