Painel 9: O papel do STF: 1988-2023

Questionou-se, de início, a ambos os painelistas sobre a centralidade do Supremo Tribunal Federal nos campos político e jurídico brasileiros e acerca da sustentabilidade, ou não, desse modelo de corte suprema que não é nem um tribunal constitucional, nem mero tribunal recursal.

O painelista Conrado iniciou sua fala sugerindo o abandono das tipologias empregadas para a classificação das cortes supremas. Para ele, em que pese tenham alguma relevância, essa é uma microquestão na análise do Supremo.

Aduziu que utilizar apenas dois modelos, importados apenas da Europa e Estados Unidos, é inadequado e insuficiente para pensar todas as cortes do mundo. Nessa linha, disse entender que o STF constitui um tipo híbrido, nem constitucional, nem recursal. Explicou, no entanto, que o Supremo se recusa tanto a entender em que classificação está, quanto a pensar qualquer reforma de sua estrutura e institucionalidade – a despeito de todo o avanço na produção de conhecimento sobre a Corte e da necessidade de se refletir sobre a participação democrática nessa reestruturação.

Com a palavra, o Dr. Clèmerson apontou que a sua geração precisou lutar para implantar a agenda da efetividade da Constituição de 1988, tornando-a efetivamente normativa.

Clève concordou no ponto de que os estudos constitucionais cresceram e que a Constituição Federal é principiológica e inegavelmente analítica, de modo que é difícil encontrar alguma matéria que não tenha repercussão constitucional.

Na sequência, expôs que a discussão sobre as tipologias de corte recursal ou constitucional é recorrente, sendo debatida desde a constituinte de 1934. Além disso, discorreu sobre o impressionante crescimento de poderes do STF e que evidentemente essa distinção, esse binômio entre cortes constitucionais e supremas cortes, faz parte da tradição dos estudos constitucionais. Na sequência, refletiu que essa discussão está fora do horizonte político e que sequer vale a pena ser debatida.

Então, afirmou que o que precisa ser travado hoje, no contexto das academias, é o diálogo sobre as disfuncionalidades do STF, que são extremamente graves. Utilizando-se do termo utilizado por Conrado, aponta que existem diversas patologias no STF. Entre elas, mencionou o individualismo do Tribunal, o excesso de decisões monocráticas e cautelares, além da má gestão do tempo – esta manifestada, sobretudo, nos pedidos de vista, regulamentados durante a Presidência da Ministra Rosa Weber; além da colocação e retirada de temas em pauta de julgamento de acordo com o que soa como cálculo político.

Explorando o tema, discorreu que o Tribunal constitucional deve ser colegiado e consequentemente deve deliberar de maneira colegiada, a fim de que a sociedade não fique à mercê de decisões individuais de ministros, por melhor que essas decisões possam vir a ser.

Além do individualismo e da má gestão de tempo, Clève discorreu sobre a incoerência da Corte, advinda da mudança de postura sobre os temas julgados sem qualquer justificativa, do que decorre a sensação de que o Tribunal decide de acordo com a conjuntura.

Retomada a palavra pela mediadora, Dra. Adriana, expôs-se sobre a criação da TV Justiça, a qual simbolizou um grande divisor de águas no Supremo, na medida em que a transmissão dos julgamentos resultou em sessões mais longas, votos rebuscados, e muitas vezes prolixos, bem como um isolamento da Corte. Dessa forma, indagou-se aos painelistas se o problema estaria na “pessoalização” dos ministros.

Respondendo ao questionamento ora levantado, o Dr. Conrado apontou que a extrema (ou aparente) publicidade já tem sido relativizada pelo imenso espaço ocupado, hoje, pelo Plenário Virtual. No ponto, ressaltou que não é sobre quem é a favor ou contra a transmissão das sessões na TV Justiça, mas sim sobre quando e em qual momento do processo deveriam ocorrer as transmissões. Inclusive, apontou que isso acarreta uma falsa sensação de transparência e publicidade.

Nesse sentido, apontou que o STF deveria entregar transparência jurisprudencial e argumentativa, de argumento coerente que se conecta à história.

Além disso, trouxe falas sobre a segurança jurídica na atuação perante o STF, uma vez que não se pode precisar o que e, principalmente, quando o STF irá decidir sobre aquela matéria.

Clève, a seu turno, defendeu que a transmissão das sessões, mais tarde incorporadas também ao YouTube, tem uma série de inconvenientes. Segundo o Professor, para além das sessões mais longas e rebuscadas, antes já mencionadas, notou-se o uso de frases de efeito pelos ministros, capazes de sintetizar a razão de seus votos e, simultaneamente, circular socialmente. Demais disso, falou também sobre a “celebrização” dos ministros, um aspecto que coloca em distinção o Supremo de hoje e o Supremo de trinta anos atrás.

Quanto ao argumento de publicidade, o painelista falou que a necessidade é atendida pela mera sessão pública e acessível aos interessados, o que dispensaria a transmissão, que se reduz à ampliação do leque de telespectadores. Por fim, apontou que a superioridade moral da democracia obriga que os instrumentos democráticos sejam operados de maneira democrática e que a correção das mencionadas patologias e disfuncionalidades sejam resolvidas com base no diálogo.